sábado, 4 de agosto de 2007

A EVOLUÇÃO DA TRAÇÃO A VAPOR (continuação 4)

11. Existe futuro para a tração a vapor?

Entre a primeira e a segunda Guerra Mundial houve nos Estados Unidos o reinado das locomotivas super-poderosas, caracterizando uma terceira geração da tecnologia do vapor. Em 1932 a Baldwin publicou um estudo que comparando o desempenho de três locomotivas: uma Heavy Reading 2-8-0 de 64.400 Pound de esforço de tração (equivalente ao de uma atual diesel-elétrica C-30 de 3.000 HP), uma Frisco-modified 2-8-0 Mikado e uma pequena 4-84 Leihigh Valley, representando respectivamente a 3ª, 2ª, e 1ª geração de locomotivas. O gráfico, que representa curvas de potência (P = F V) para diferentes gerações de locomotivas, mostra que as últimas conseguiam atingir velocidades maiores com menor esforço de tração, logo menor potência e consumo de combustível, graças aos aprimoramentos no projeto [25].

Gráfico Comparativo do Desempenho de 3 Gerações de Locomotivas

As locomotivas de terceira geração assumiram também formas aerodinâmicas, chegando algumas em testes a atingir 200 km/h o que, para equipamentos com êmbolo movido a vapor ainda hoje é uma proeza técnica.

Locomotiva Aerodinâmica - algumas capazes de atingir 200 km/h

O canto do cisne das locomotivas a vapor nos EUA deu-se, entretanto, com as locomotivas a turbina. Ferrovias que tinham interesses empresariais na exploração do carvão estimularam o desenvolvimento de locomotivas vapor-elétricas, como as diesel elétricas, onde o motor diesel era substituído por uma turbina rotativa. Eram equipamentos de grande porte, com tender incorporado ao corpo da locomotiva, ciclo fechado do vapor e um desenho muito parecido com as diesel-elétricas atuais. A fotografia mostra uma locomotiva encomendada pela Norfolk & Western Railway, a primeira turbina-vapor/elétrica de 1954, ao lado de uma 4-8-4 aerodinâmica para trens de passageiros, que agora parece uma anã. De grandes dimensões, a Extra 2300 conseguia tracionar longas composições de carvão, com produção mínima de fumaça em ciclo fechado de água – era o estado da arte da tração a vapor nos últimos dias da era [25].

Locomotiva Vapor-Elétrica a última versão tecnológica

As locomotivas turbina-vapor/elétricas, que chegavam à potência de 6.000 HP, não conseguiram, entretanto, superar os problemas técnicos decorrentes do mau desempenho da turbina em baixa rotação, ao contrário do motor diesel, que é perfeitamente elástico. A poderosa General Motors, através de sua Electro Motive Division (EMD) apostava todas suas fichas nas diesel-elétricas, como uma mudança de paradigma que realmente ocorreu.

Os tradicionais fabricantes das locomotivas a vapor americanos ainda tentaram sobreviver à nova tecnologia, estabelecendo parcerias como fornecedores dos componentes elétricos, como as celebradas entre a ALCO e General Elétrica (GE), enquanto a Baldwin fez parceria coma Wastinghouse para complementar a parte que lhe faltava e enfrentar a EMD. Todas, entretanto, cerraram suas portas como produtores significativos de material de transporte e a própria GE, após um período em que usava motores diesel produzidos pela Caterpillar, passou a dominar toda a cadeia. Atualmente a GE, disputa a liderança com a EMD, que deixou de pertencer ao grupo GM.

A tecnologia das diesel-elétricas não parou de evoluir, sendo o estado da arte atual as locomotivas AC (de corrente alternada), com capacidade de tração até 50% superior às CC (de corrente contínua) com mesmo peso aderente.

Quanto à pergunta sobre a existência de futuro na tração a vapor, pode-se imaginar que, da mesma forma como foi devido à tecnologia mais avançada das locomotivas diesel-elétricas, capaz de gerar o custo operacional tão inferior ao das locomotivas a vapor, o responsável pela rápida dieselização das ferrovias em todo mundo, será também uma nova tecnologia que reduza o custo operacional futuro capaz de produzir uma reversão.

A justificativa para esta hipótese decorre da simples comparação das reservas mundiais carboníferas, 1 trilhão de toneladas suficiente para atender a demanda atual por mais de duzentos anos, com as atuais reservas de petróleo, responsável por 43% da produção mundial de energia, suficiente para 40 anos com os atuais níveis de consumo [26] – mas que está crescendo rapidamente devido à própria China. É necessário, neste ponto um parênteses sobre previsões alarmistas sobre o fim do petróleo, já que as reservas contabilizadas as viáveis a um determinado nível de preço. Subindo o preço do barril de petróleo, poços fechados considerados de exploração antieconômico podem ser reabertos.

De qualquer forma, a pressão sobre os preços poderá tornar a tração a vapor competitiva, porém incorporando tecnologias atuais, pois houve nos últimos anos avanço na tecnologia do vapor. As de geração elétrica por turbinas a vapor de hoje já trabalham com pressão de 5.500 psi (374 atm) e temperatura de vapor de 537º C, condições que geram uma altíssima eficiência térmica [27].

Talvez nos próximos 10 ou 20 anos surja uma nova locomotiva chinesa ou americana, com desenho parecido com a turbo-vapor/elétrica Extra 2300 de 1954, porém com motores elétricos AC controlados por inversores de freqüência micro processados e com um flywheel, porém posicionado na horizontal e não na vertical como da primeira locomotiva de Trevithick de 1804. Este equipamento armazenador de energia, provavelmente apoiado sobre mancais magnéticos, necessário para permitir elevada velocidade polar e gerenciar a energia produzida pela turbina de alta rotação nas baixas velocidades de operação. Esta imaginada locomotiva poderá desafiar as diesel-elétricas, prejudicadas pelo preço do barril de petróleo nas alturas, se não por problemas políticos pela simples lei de mercado, devido à crescente demanda, da própria China. É uma visão de futuro lógica, a exigir agregação sistêmica de altíssima tecnologia, porém pura imaginação.

Outro futuro para a tração a vapor, ainda na antiga tecnologia, é o aproveitamento das locomotivas escondidas, gradeadas ou sobre pedestais para operaram trens de caráter turísticos e culturais. A experiência já mostrou que se pode promover o desenvolvimento turístico e cultural tendo como espinha dorsal uma Maria Fumaça. Foram trens rebocados pelas locomotivas a vapor que inspiraram os versos onomatopaicos de Manuel Bandeira em Trem de Ferro, que na música ficou imortalizada em Trenzinho do Caipira de Villa Lobos, da mesma forma como foi pensando em movimentada mesma estação da chegada e da partida de Milton Nascimento e Wagner Tiso, num tempo em que nós ouvíamos o trem apitar e fazia-se de sua passagem uma espécie de relógio de todas as atividades: antes do trem das dez, depois do trem das duas, como escreveu José Lins do Rego em Menino de Engenho. Dificilmente o som áspero da diesel-elétrica, passando por estação fechada, em horário aleatório, tracionando um padronizado trem de carga, fossem capaz de inspirar tão sensíveis artistas na produção de obras imortais da cultura brasileira.

O acervo das locomotivas a vapor sobreviventes que a Revista Ferroviária tão bem levantou permite imaginar que, com alguma técnica e muito trabalho, seja possível despertar algumas delas de seu prolongado sono.

Para que estudar a tração a vapor nos dias de hoje, quando se fala em levitação magnética (tema que pesquiso atualmente)? Além de razões emocionais despertadas pela magia de um equipamento que revolucionou a história dos transportes, ao substituir a tração animal com fogo da madeira e água abundante, o estudo da história reserva interessantes lições. Embora a história não se repita; os homens se repetem.

No apagar das luzes da tração a vapor , quando a tecnologia diesel-elétrica estava acabando com o legado de 130 anos, as locomotivas conseguiam atingir 200 km/h (uma proeza mecânica!) e chegavam a ter 6.000 HP, a potência de raras locomotivas atuais. Mas, todo este esforço foi inútil, porque uma nova tecnologia aproximava-se.

Talvez a mesma coisa esteja acontecendo agora, com a chegada da levitação magnética, nas suas três tecnologias atuais (eletromagnética, eletrodinâmica e supercondutora). Os trens baseados na força de atrito roda/trilho batem, com grande esforço, recordes de velocidade, como os 575 km/h da Aslton, em abril de 2007. Mas o record de velocidade ainda é do Maglev japonês, com telecnologia eletrodinâmica, 585 km/h em uma via experimental de cerca de 30 km. Mas pode ser apenas uma expectativa. Parece que o vapor estimula mesmo a imaginação.

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Bibliografia:
[25] Amaral, Áttila do Manual de engenharia ferroviária. Editora Globo. Porto Alegre, RS, 1957, pp. 548-552.
[26] www.aneel.gov.br/aplicacoes/atlas/pdf/07-Carvão e Petróleo(2). pdf, capturado em 25/8/2006
[27] Lamb, J. Paker Perfecting the American steam locomotive. Indiana University Press, Bloomington, Indiana, USA, 2003. p. 16.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A EVOLUÇÃO DA TRAÇÃO A VAPOR (continuação 3)

8. A Física Clássica na tração a vapor

Atualmente, quando um trem turístico, rebocado por uma locomotiva a vapor, surge como que do passado, arrastando passageiros sorridentes nas janelas de seus carros de madeira, desperta com seu apito estridente e matraquear característico o sossego as comunidades cortadas pelas linhas, deixando no ar o rastro da fumaça, o perfume da madeira queimada e uma intrigante pergunta para os mais jovens: como funciona uma locomotiva?

Conhecer como funciona uma locomotiva a vapor pelas entranhas de um exemplar genuíno sangue azul exigirá algumas justificativas talvez excessivamente técnicas, mas é um passo necessário para se poder admirar esta jóia da engenharia mecânica, onde se utiliza apenas os conceitos da Física Clássica.

As Pacifics foram as rainhas da época de ouro do vapor e a 353, que pertenceu a Central do Brasil, foi fabricada em 1927 e importada dos EUA para tracionar trens de luxo entre Rio de Janeiro e São Paulo. É uma rara Baldwin de três cilindros, que trabalhava com vapor superaquecido que podia a atingir cerca de 100 km/h. Sobreviveu como monumento na oficina da RFFSA em Cachoeira Paulista até 1979, quando foi cedida em comodato à Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF).

"Velha Senhora" Pacific 4-6-2 Museu do Imigrante
São Paulo, 2006

Meu filho André, que atualmente trabalha como game designer na Espanha, fez a meu pedido uma modelagem da “Velha Senhora” em 3D. As figuras a seguir mostram de forma didática as partes componentes de uma locomotiva a vapor, no caso uma Pacific, passo indispensável para se conhecer seu funcionamento, semelhante em todas outras locomotivas, mas com as particularidades específicas de cada uma, como acontece nas obras de arte.

Raios X de uma Pacific



1 - Distribuição de vapor
2 - Cilindro
3 - Êmbolo
4 - Haste do êmbolo
5 - Paralelos
6 - Puxavante
7 - Cruzeta
8 - Braço de conjungação
9 - Quadrante
10 - Eixo de Distribuição de Marcha

A função primordial de uma locomotiva é desenvolver uma força expressa em quilograma-força (kgf) ou Pound (libras-força), paralela ao eixo da linha, capaz arrastar os vagões de carga e carros de passageiros, vencendo as resistências opostas à marcha do trem. Esta força chamada Força de Tração Útil ou Força de Tração Efetiva é medida no engate do tender, veículo que conduz a água a ser evaporada e o combustível a ser utilizado na fornalha, já excluindo os esforços gastos para sua movimentação e da própria locomotiva. Quando a força efetiva é superior à soma das resistências do trem, a velocidade aumenta; quando é menor a velocidade diminui.

Na caldeira da locomotiva os gases quentes provenientes da fornalha aquecem a água em contato com sua superfície que entra em ebulição, sendo o vapor produzido conduzida para o ponto mais alto da caldeira, chamado domo, onde uma válvula o recolhe e encaminha para uma tubulação. Nas locomotivas mais modernas este vapor saturado de umidade antes de seguia diretamente para os cilindros de movimentação, percorre toda a extensão da caldeira, recebendo nova carga de energia dos gases aquecidos. Como o vapor é dotado de grande energia de expansão, em toda locomotiva existe uma válvula de segurança (pop valve) que libera para atmosfera o vapor que atinge pressão superior à da regulagem. Nas antigas locomotivas a pressão de trabalho na caldeira era inferior a 100 libras por polegada quadrada (psi – Pound per square inche) ou 6,8 atmosferas (kgf/cm2), no fim da era do vapor trabalhava-se com uma pressão na caldeira de 285 psi ou 19,4 atm e incremento na temperatura do vapor de 150º C. Registra-se que nos EUA, no afã de aumentar a potência das locomotivas pelo aumento da pressão nas caldeiras, registrou-se mais de 10 mil explosões entre 1870 e 1910, quando a American Society of Mechanical Engineers (ASME) estabeleceu o fator de segurança 4x entre a pressão de operação e pressão de explosão [19].

Chegando ao cilindro o vapor ingressa por uma abertura, ora numa face ora noutra do êmbolo, graças aos engenhosos sistemas de distribuição, no início usando válvulas de gaveta plana e posteriormente cilindro de distribuição, que permitia trabalhar com vapor superaquecido a alta pressão. Ao longo do cilindro o embolo impelido pelo vapor é ligado a uma haste ou puxavante, promovendo a aplicação da força no pino motor instalado na roda, conforme diagrama simplificado para uma única roda para fins de clareza, onde: p é a pressão no cilindro, d é o diâmetro do êmbolo (ou diâmetro interno do cilindro), L é o curso do êmbolo no cilindro), D é o diâmetro da roda motriz e t é a força de tração da roda no trilho e T a força de tração no rodeiro.

No interior do cilindro de diâmetro interno d, quando o êmbolo percorre todo seu comprimento de extensão L a roda motriz de diâmetro D faz um giro de 180º. A força exercida pelo vapor sobre pressão sobre o êmbolo no interior do cilindro equivale ao produto da área do êmbolo (πd2/4) pela pressão p.

Como as duas rodas estão solidamente ligadas por um eixo, a força de tração T no rodeiro é o dobro da força em cada roda t. Como Trabalho é o produto da força atuante pela distância percorrida, o Trabalho físico produzido no cilindro é igual ao Trabalho produzido pela roda motriz, no giro de 180º, isto é, meio perímetro: π D / 2. Podemos então igualar os dois Trabalhos físicos na roda e no cilindro: t π D /2 = L p π d2 / 4. Fazendo t = T/2, tem-se: D T /2 = L p d2 / 2, resultando na clássica fórmula da força de tração em cada eixo, conhecido o diâmetro do cilindro, o curso do êmbolo, o diâmetro da roda motriz e a pressão de trabalho do vapor na caldeira, devidamente corrigido por fatores empíricos que corrigem as perdas mecânicas e termodinâmicas.

A Divisão de Mecânica da Association of American Railroads (AAR) estabeleceu em 1924 que este fator é 85% enquanto as normas européias estabelecem o valor de 65% [19]. Adotando o valor americano, tem-se:

Força de Tração = 85% p L d d/D

Onde: p - pressão de trabalho da caldeira em atmosferas (kg/cm2); L - curso do êmbolo, d – diâmetro do êmbolo e D – diâmetro da roda motriz expressos em centímetros (cm), o resultado da força de tração será em quilograma-força (kgf).

Como no Brasil, na prática ferroviária usam-se as duas ao mesmo tempo unidades do sistema inglês com as do sistema métrico, preferindo se referir à pressão em psi (libras por polegada quadrada), é necessário para aplicação da fórmula dividir a pressão em libras por 14,7 para sua conversão em atmosferas (kg/cm2), caso se queira calcular a força de tração de uma locomotiva existente.

Para o dimensionamento de uma locomotiva a ser projetada ou reformada, outros fatores devem ser considerados além das dimensões teóricas, principalmente a aderência, que é muito mais do que um coeficiente de atrito. Para que a força t na roda provoque uma translação, não poderá haver escorregamento; isto é, a resistência ao escorregamento dada pelo produto da taxa de aderência (f) pelo peso aderente (N), uma força normal sobre a roda. Esta taxa f varia com estado dos trilhos (seco ou molhado) e processo de transferência da potência do motor para as rodas.

Nas modernas locomotivas diesel-elétricas como motores de tração de corrente alternada comandados por inversores de freqüência com microprocessadores, consegue-se uma taxa de aderência na demarragem de até 36%. Para as locomotivas a vapor, entretanto, com trilho seco e em boas condições a taxa máxima chega a 25% do peso aderente (sobre os eixos motrizes), sendo mais adotada a 20% que pode cair até a 10% para trilho úmido, lubrificado ou linha coberta de mato [20].

Outro aspecto a se notar antes, da simples aplicação da fórmula dada, refere-se à velocidade crítica de uma locomotiva a vapor. Uma vez que a capacidade de produção de calor de uma fornalha é limitada por características construtivas, nas baixas velocidades a produção de vapor revela-se excessiva; nas altas velocidades, mantendo-se toda a admissão possível, a produção do vapor é insuficiente.

Esta velocidade pode ser determinada analiticamente considerando que no percurso de ida e volta do êmbolo (2L) a roda motriz dá um giro completo (πD). É a velocidade que serve para especificar o tipo de locomotiva de acordo com o serviço. Rodas grandes de dimensões quando se deseja velocidade (trens de passageiros), de média dimensões quando se deseja força (trens de carga) e de reduzidas dimensões quando se deseja grande capacidade de arrasto (locomotivas de manobra).

Diretamente relacionado com a velocidade de operação é o sistema de freio, geralmente mecânico, ou a vácuo e raramente a ar-comprimido nas antigas locomotivas. Tão importante quanto fazer um trem andar bem e conseguir pará-lo com segurança, deve ser a primeira regra.

A potência P de uma locomotiva é calculada como o produto da força de tração F pela velocidade V, devido à seguintes expressões da Física:
(1)
P = W / t

isto é, potência é o trabalho realizado na unidade de tempo;
(2)

W = F d

isto é, trabalho é produto da força pela distância percorrida; Substituindo (2) em (1), vem que
(3)
P = F d / t
Como:

V = d / t

isto é, velocidade é a distância percorrida na unidade de tempo, tem-se:

P = F V.

O fator limitante da potência da locomotiva como máquina térmica é sua capacidade de gerar energia pela vaporização da água, que além de fatores construtivos depende do poder calorífero dos combustíveis utilizados. A unidade que mede este poder calorífero é a Caloria no sistema métrico ou BTU (British Termal Unit) no sistema inglês. Por definição, uma Caloria é a capacidade de elevar em 1º C um quilograma de água; uma BTU é a capacidade de elevar uma libra (Pound) de água de 1º F.

Segundo autores consagrados [21], a pressão de vapor usada nas locomotivas mais modernas (pode-se dizer isso hoje?) variava de 12 a 18 atm e a temperatura do vapor superaquecido oscilava entre 350 a 400º C, com uma capacidade de vaporização de das caldeiras de 267 kg/m2 de superfície de vaporização direta. O superaquecimento proporcionava uma economia de 25 a 40% no consumo de água e de 15 a 25% em combustível, razão pela qual, as locomotivas que utilizavam este recurso foram chamadas de locomotivas da 2ª. geração.

O que viabilizou a utilização do vapor superaquecido nas locomotivas foi a substituição no controle do vapor no cilindro das válvulas do tipo gaveta pelas de pistão indicada na figura [22]:

Válvulas para vapor saturado (quadrada) e para vapor superaquecido (redonda)

O combustível mais usado nas locomotivas a vapor no Brasil em 1951 era a lenha, com consumo de 11,6 milhões de m3; seguido do carvão nacional com 928 mil toneladas, carvão importado com 343 mil t e óleo combustível com 231 mil t. Estes combustíveis tinham o seguinte poder calorífero:

Óleo combustível.................... 10.500 a 10.800 cal/kg
Carvão importado................... 5.200 a 8.000 cal/kg
Nó de pinho............................. 5.650 cal/kg em média
Carvão nacional (SC).............. 4.500 cal/kg em média
Lenha....................................... 3.800 a 4.100 cal/kg

Pelo baixo rendimento tanto do carvão nacional como da lenha (já escasseada devido ao desmatamento da Mata Atlântica para o plantio de café), o combustível para as locomotivas a vapor representava uma grande evasão de divisas, contribuindo para aumento do custo operacional.

Numa eventual recuperação de antigas locomotivas para fins turísticos, mediante um projeto de engenharia, é possível utilizar qualquer tipo de combustível não previsto quando do projeto original por inexistência de oferta, desde que se mostre operacionalmente mais conveniente, como por exemplo, o Gás Liquefeito de Petróleo (GNV), Gás Natural Veicular (GNV) ou mesmo o Óleo combustível. Já que o combustível é o principal item de custo na tração a vapor, qualquer economia neste item aumenta a viabilidade econômica dos projetos. Caso não se queira descaracterizar demasiadamente o modelo original, mediante avaliação termodinâmica é possível operar com grande economia com combustíveis mistos, por exemplo, óleo e madeira queimando simultaneamente na fornalha.

9. O Maquinista

Alguns autores [22] consideram a locomotiva a vapor é a expressão máxima da arte da mecânica jamais realizada pelo homem. Apesar de essas locomotivas serem equipamentos simples sob o ponto de vista tecnológico, sua operação eficaz exigia dos engenheiros da Locomoção aplicação de conhecimento de várias áreas da Física e sua correta especificação um conhecimento razoável das condições de operação (tipo de serviço e material de transporte a ser tracionado) que estaria submetida, perfil e traçado da linha onde iria operar para determinação das resistências ao rolamento e uma adequada logística (termo não utilizado na época) para suprimento de água, combustível e manutenção adequada. Entretanto, quem mais aparece na tração a vapor é o maquinista [23].


Dá para imaginar as cenas. Caminhando lentamente ao redor da locomotiva, sob olhares admirados dos passageiros embarcados e ainda na plataforma, orgulhoso de sua máquina, puxa do bolso esquerdo do paletó do seu terno azul-marinho um lenço branco e esfrega no balaustre de bronze cintilante. Apesar da fuligem que sai pela chaminé o lenço não fica sujo. Lança um olhar de aprovação para seus auxiliares, o foguista e o graxeiro, e sobe na cabina. A mão firme abre lentamente o regulador, injetando vapor nos cilindros. O sino é ligado e um silvo estridente responde ao apito do chefe do trem que havia autorizado a partida. Expulsa a água condensada nos cilindros, soltando vapor saturado que afasta todos que se aglomeraram perto da locomotiva, o trem dá um tranco e começa a se mover.

Conhecedor do trecho, o maquinista procura sentir o trem nas suas costas. Logo depois da estação vem uma rampa forte, o manômetro indica que a pressão é máxima. Olha para trás quando o trem faz a curva e, salvo crianças debruçadas nas janelas, não há nenhum mancal aquecendo. Presta atenção no último rodeiro do tender que está com o bronze gasto, mas a estopa bem embebida no óleo na caixa de graxa não dá sinal de fumaça. Lança um olhar no nível de água que está ficando cada vez mais baixo, mas o manômetro assinalou queda na pressão. Ordena que o foguista use a lenha empilhada à esquerda, a lenha de morro-acima, troncos que deixando vazar uma seiva oleosa indicava bom poder calorífero. Precisa de alta pressão para vencer a pior rampa no corte de pedra.

Fica atento na passagem em nível logo depois da curva, preparado para acionar o freio de emergência. Um carro em alta velocidade vindo pela estrada paralela à linha parece disputar uma corrida com seu trem, para ver quem chega primeiro. Puxa com firmeza o apito, que mudou de melodia para um clarim de protesto (percebido apenas pelos passageiros de ouvidos mais sensíveis). O carro pára com uma freada brusca. O maquinista lança um olhar reprovador para o motorista, mas não faz gesto algum; é um cavalheiro.

Logo depois do corte a linha ganha o plano e o maquinista relaxa, foi vencido o pior trecho. Injeta água do tender na caldeira, fazendo a pressão cair e acena para o foguista que pode começar a usar a lenha de pior qualidade, pois logo vai começar uma descida suave até a ponte metálica em curva, que deve ser cruzada com velocidade mais baixa.

O trem corre célere, a chaminé está deixando um rastro de fumaça braça difusa, pois os cilindros trabalham com pressão reduzida. Crianças acenam de um jogo de futebol paralisado pela passagem do trem. Fica atento ao estado da via permanente ao se aproximar do aglomerado de casas na divisa com a faixa, de onde escorre água servida, que compromete a estabilidade do lastro, provocando um “balanço” perigoso. Como o ponto fica â esquerda, o corpo da locomotiva atrapalha a visão de perto. Sempre que passa pelo local faz uma oração silenciosa e recorda-se de casos antigos, de colegas que ao descarrilarem um trem tracionado por locomotiva a vapor ficaram presos às ferragens, recebendo no corpo água fervente da caldeira rachada.

Passado o ponto crítico e prosseguindo a viagem, observa de soslaio uma mocinha no quintal de uma casa junto da linha, logo reconhecendo que a pequena menina, que antes também acenava para o trem está ganhando corpo. Puxa o cordel com suavidade e do apito sai uma saudação especial. Ela devolve um sorriso. É o maquinista, senhor de todas as histórias, trabalhando com prazer num dia-a-dia qualquer de uma era remota da história da ferrovia.


10. Custo da Tração a Vapor

A tração a vapor exigia um grande contingente de operários especializados. Em 1950 as ferrovias brasileiras somavam 36.681 km e empregavam 195.229 empregados. O custo operacional era muito alto quando comparado com a tração diesel-elétrica e vinha crescendo. Em 1942 a tração a vapor custava Cr$ 28,36 por mil tonelada-quilômetro, enquanto a tração elétrica custava apenas Cr$ 3,40; dez anos depois passou para Cr$ 76,21, a elétrica para Cr$ 4,95 enquanto a diesel-elétrica, que já aparecia nas estatísticas, indicava Cr$ 9,32 [24].

A relação de custo operacional entre as três alternativas de tração em 1950

Tração a vapor para diesel-elétrica..... 1:9
Tração a vapor para elétrica.................. 1:15
Tração diesel para elétrica..................... 1:2

A tração a vapor passou a ter nas locomotivas diesel-elétrica um concorrente poderoso operacionalmente. A locomotiva elétrica, apesar do menor custo operacional, nunca foi concorrentes da versatilidade da locomotiva a vapor, capaz de ir onde houvesse linha e não dependia de rede aérea de geração de energia externa. A diesel-elétrica, entretanto era um concorrente melhor ainda versatilidade operacional. Uma locomotiva a vapor, antes de começar a trabalhar precisava ser acesa, exigindo no mínimo uma hora antes para as de pequeno porte e duas horas antes para as grandes. Na diesel-elétrica bastava acionar a ignição.

A tração elétrica permite ótimo controle da potência aplicada nas rodas motrizes, aumentando a capacidade de tração por ter menos deslizamento, porém exige um vultoso investimento e restringe a capacidade de carga de um trecho pelas potência das instalações fixas, como subestações, cabos etc., não permitindo tração múltipla direta como na tração a vapor e diesel. Enquanto isso, as diesel-elétricas, além das vantagens de controle de tração das elétricas, podiam ser acopladas uma à outra e conduzidas por uma única equipagem. As locomotivas a vapor também podiam trabalhar na tração múltipla, mas naquela época isto exigia um complexo código de apitos entre os vários maquinistas envolvidos, para saber quando acelerar ou frear.

Operacionalmente as locomotivas diesel-elétricas com a tração múltipla revolucionaram o sistema de tração, aumentando a capacidade de carga das ferrovias com mínimo investimento em pátios de cruzamento, já que os trens ficavam cada vez mais longos e os de passageiros às vezes perdiam a prioridade e tinham que se acomodar nos pátios curtos de cruzamento, com os passageiros indignados assistindo um trem de carga passar.

Quando a dieselização das ferrovias se firmou no Brasil, coincidiu com o governo JK, de industrialização com base rodoviária. Os trens de passageiros estavam ficando cada vez mais vazios, pois as linhas de ônibus lhes faziam concorrência acirrada. Além disso, com o crescimento da demanda do transporte de carga em granel, parcela importante das administrações ferroviárias via o trem de passageiro de interior como um estorvo antieconômica.

Finalmente, apesar de uma simplicidade, as locomotivas de uma frota eram de várias idades, diferentes fabricantes e modelos, de mecânica complexa que exigiam mão-de-obra qualificada por anos de experiência e transferência de conhecimento verbal por velhos mestres. É um fator que pesou no passado e até hoje influencia quando se planeja recuperar antigas locomotivas.

Diante do custo operacional elevado e mão-de-obra difícil para manutenção, o Brasil, no pós-guerra, como vários outros países, trocou rapidamente as locomotivas a vapor pelas diesel-elétricas e ingressou com confiança numa era do petróleo barato e abundante. Foi o princípio do fim da era do vapor nas ferrovias.

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Bibliografia:
[19] Lamb, J. Paker Perfecting the American steam locomotive. Indiana University Press, Bloomington, Indiana, USA, 2003, p. 289.
[20] Amaral, Áttila do Manual de engenharia ferroviária. Editora Globo. Porto Alegre, RS, 1957, p. 423.
[21] Lamb, J. Paker Perfecting the American steam locomotive. Indiana University Press, Bloomington, Indiana, USA, 2003. p. 32.
[22] Idem, p.28.
[23] David, Eduardo Gonçalves A ferrovia e sua história. Edição AENFER-AMUTREM, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1998, p. 105.
[24] Monteiro Filho, Jerônimo. Traçados de estradas. Editor Borsoi, Rio de Janeiro, RJ, 1955, p. 190.

terça-feira, 31 de julho de 2007

A EVOLUÇÃO DA TRAÇÃO A VAPOR (continuação 2)

6. O padrão americano nas locomotivas a vapor

Como fabricantes de locomotivas os americanos foram insuperáveis, sendo o principal Mathias Willian Baldwin (1795-1866), um relojoeiro na Filadélfia. Quando em 1831, após receber uma encomenda do Museu da Filadélfia para construção de uma miniatura de locomotiva, resolveu ingressar no novo mercado se tornou o maior fabricante todo o mundo, tendo a Baldwin Locomotive Work, fabricado em seus 130 anos mais de 60.000 locomotivas a vapor [11].

Em 1900, quando começou a chamada Era de Ouro da tração a vapor, que foi até 1950, a participação da Baldwin era de 61% no mercado ferroviário americano, 10% no mercado industrial como um todo e participava com 29% das exportações. Em 1914 a participação havia caído no mercado ferroviário para 50%, devido ao crescimento da ALCO (American Locomotive Corporation) 40% e LIMA (Lima Locomotive Works), 10% , porém até o final da era do vapor manteve uma linha de produção que exportava equipamentos para todo mundo [12].

Produção em série de locomotivas na Baldwin Locomotive Work, EUA

A locomotiva que sucedeu a American, que foi inclusive a primeira importada dos EUA para a EFDPII, foi a Mogul, que começou a ser fabricada pela Baldwin em 1847. Esta locomotiva tem um perfil semelhante ao da American, apenas com seis eixos, sendo três tratores ao invés dos dois e um rodeiro simples como guia, ao invés do truque. Era a locomotiva padrão da ferrovia construída pelo engenheiro Paulo de Frontin, como linha auxiliar da EFCB na virada do século XX, que vencia a Serra do Mar sem túneis.

Mogul fabricada pela Baldwin para operação na Linha Auxiliar

Apesar de fabricantes europeus serem também fornecedores de equipamento ferroviário para o Brasil, foi classificação numérica proposta em 1901 pelo engenheiro mecânico Frederick Methvan Whyte (1865-1941), que apesar de holandês de nascimento fez sua carreira nas ferrovias americanas, que prevaleceu sobre todas as outras. O sistema Whyte, descreve a locomotiva a vapor pelo número de rodas, segundo sua função, a partir da dianteira da locomotiva:

Jogo de guia, à frente da locomotiva, não fazendo esforço para movimentar o trem, possuindo diâmetro menor para se inscreverem mais facilmente nas curvas, servindo de guias para as demais. Também são chamadas rodas-piloto, ou rodas dianteiras. A justificativa física para seu menor diâmetro é a mesma que explica o insucesso do volante de inércia vertical na primeira locomotiva de Trevithick, o efeito giroscópio, uma reação à mudança de movimento de massas girantes. Esta técnica pode ser observada inda hoje, nos tratores agrícolas, com rodas menores na frente utilizadas para guiar as grandes rodas de tração. Foi o trator copiou as locomotivas, não o contrário. Nas locomotivas específicas para trens de carga existia um único rodeiro dianteiro, enquanto nas locomotivas para trens passageiros, que exigem maior velocidade usava-se um truque com dois rodeiros.

Rodas motrizes são as que recebem o movimento dos êmbolos. Elas suportam a maior parte do peso da locomotiva para aumentar o atrito (aderência) nos trilhos, fazendo com que a locomotiva se movimente. As rodas de grande diâmetro foram utilizadas em locomotivas para trens de passageiros, enquanto as locomotivas de trens de carga tinham metade desta dimensão e as locomotivas de manobra, de diâmetro ainda menor, não precisavam de jogo guia.

Jogo de arrasto, formado pelas rodas de trás, geralmente embaixo da cabine e/ou da fornalha. Não fazem esforço para movimentar o trem, limitando-se a ser arrastadas. Também são chamadas rodas portantes, pois dão suporte ao prolongamento posterior da locomotiva (fornalha e cabine).

Apesar de contar rodas ao invés de eixos, que seria mais óbvio, como adotado na França e parte da Europa continental, a classificação de Whyte (americana) é a mais conhecida, achando muitos que é única e correta, quando na verdade é menos lógica, pois prevê um número ímpar de rodas por locomotivas. Geralmente as locomotivas são referidas por tipo, muitas vezes um apelido, adotado como uma marca por vários fabricantes. Tem-se, portanto, tipo Texas fabricadas pela Baldwin Locomotive Work, como pela American Locomotive Co. (ALCO) e até por fabricantes europeus como a SKODA, da Tchecoslováquia.

As tabelas a seguir apresentam a classificação das locomotivas pela contagem das rodas (Whyte), por uma combinação de números e letras (alemã), posteriormente adotada nas diesel-elétricas, a que conta os eixos (francesa) e a designação por tipo das que foram mais comuns no Brasil, tanto as simples como as articuladas [13].

Tabela 1 – Classificação das Locomotivas Simples

Rodas Whyte Alemã Francesa Designação
●●●● 4-4-0 2 B 2 2 0 American
●●●● 2-6-0 1 C 1 3 0 Mogul
●●●●● 4-6-0 2 C 2 3 0 Tenwheeler
●●●●● 2-8-0 1 D 1 4 0 Consolidation
●●●●●● 4-8-0 2 E 2 5 0 Mastodon
●●●●● 2-6-2 1 C 1 1 3 1 Prairie
●●●●●● 2-8-2 1 D 1 1 4 1 Mikado
●●●●●●● 2-10-2 1 E 1 1 5 1 Santa Fé
●●●●●●●● 2-10-2 1 E 2 1 5 2 Texas
●●●●●● 4-6-2 2 C 1 2 3 1 Pacific
●●●●●●● 4-8-2 2 D 2 2 4 2 Mountain
●● 0-4-0 B 0 2 0 Forwheel (manobra)
●●● 0-6-0 C 0 3 0 Sixwheel (manobra)
●●●● 0-8-0 D 0 4 0 Eightwheel (manobra)

Tabela 2 – Classificação das Locomotivas Articuladas

Rodas Whyte Alemã Francesa Designação
●●●●+●●●● 2-6-0+0-6-2 1 C C 1 2 3 0 – 0 3 2 Mallett
●●●●●+●●●●● 2-8-0+0-8-2 1 D D 1 1 4 0 – 0 4 1 Mallett
●●●●●+●●●●● 4-8-2+2-8-4 2 B 1 1 B 2 2 4 1 – 1 4 2 Garratt

A maior parte das locomotivas em operação no Brasil era de procedência americana, devido à maior robustez e boa adaptação às condições de via permanente precárias por falta de recursos para manutenção. As européias eram mais refinadas tecnicamente, especialmente as alemãs reconhecidas por suas caldeiras excelentes, porém frágil conjunto de “movimento” (estrados, rodas e braçagens) [14].

Em 1952 o Instituto Ferroviário de Pesquisas Econômicas tabelou 2.772 das 3.132 locomotivas a vapor existentes nas ferrovias brasileiras que poderiam ser recuperadas [15]. Mas não houve recuperação alguma, rapidamente a frota de locomotivas a vapor perdeu o significado.

Tabela 3 – Quantidade de Locomotivas no Brasil em 1952

White Designação Quantidade
4-6-0 Tenwheeler 730
2-8-0 Consolidation 690
2-8-2 Mikado 469
2-6-0 Mogul 390
4-6-2 Pacific 290
4-4-0 American 202
4-8-2 Mountain 124
2-3+3-2 Mallett (articulada) 111
2-2+2-2 Garratt (articulada) 48
TOTAL 2.722


Tabela 4 – Participação da Frota de Locomotivas no Brasil por Tipo

ANO Vapor Diesel-Elétrica Elétrica
1948 70,7% 7,4% 21,9%
1952 59,9% 14,9% 25,2%
1958 29% 48% 23%

Em 1952 o presidente Getúlio Vargas enviou projeto ao congresso de criação da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), por sugestão da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, grupo de trabalho que antecedia aos pedidos de financiamento.

Em 1958, quando foi instalada a RFFSA, a nova empresa herdou das 22 ferrovias estatais que foi sua origem, um parque de tração composto de 2 mil locomotivas a vapor e 475 diesel-elétricas, correspondente a 78% e 19% da frota, que entretanto, respondiam respectivamente por 20% e 48% da produção de transporte em tonelada-quilômetro. O crescimento do transporte de carga desde então até a “privatização” da RFFSA em 1996 foi multiplicado por dez, enquanto o de passageiros de interior praticamente acabou [16]. O crescimento do transporte de cargas foi todo apoiado nas diesel-elétricas, também de procedência americana.

Tabela 5 – Evolução do transporte na malha da RFFSA (1957-2005)

ANO Mil Passageiros Interior Milhões de TKU
1957 54.551 5.424
1964 63.872 8.093
1970 33.831 12.056
1980 13.799 33.223
1995 1.161 36.388
2005 - 56.613


7. Locomotivas a vapor mais utilizadas nas ferrovias brasileiras

As Americans foram utilizadas no Brasil até mesmo em operação rotineira, como na Estrada de Ferro Leopoldina (EFL) na década de 1950 [17], quando os americanos já estavam na 3ª. geração da tração a vapor.


A Tenwheeler, com truque guia, era a locomotiva mais comum quando a RFFSA foi criada. Era boa para trens de passageiros (transporte prioritário na época do monopólio das ferrovias) e com rodas motrizes de pequenas dimensões, possuía também esforço trator necessário para os trens de carga.
4-6-0 tipo Tenwheeer a mais comum, projeto original de 1847.

O segundo maior grupo era o das Consolidation. Na EFCB a série 700, da ALCO recebidas entre 1916 e 1920, foram apelidadas “camelo”, devido à caldeira com dois domos. Tinham uma ótima reputação de confiabilidade e desempenho sendo responsáveis, juntamente com as da série 600, por mais de 60% de todos os trens de carga até o início da era diesel [14].


2-8-0 tipo Consolidation projeto original de 1866

Outro modelo popular eram as Mikado, cuja designação decorre da exportação pela Baldwin deste modelo para o Japão, em 1906, quando ainda estava na lembrança uma ópera cômica estreada em 1885 chamada The Mikado de inspiração japonesa [18].


2-8-0 tipo Mikado ultrapassando uma Pacific [14]

Alguns autores consideram que as Pacifics foram as verdadeiras rainhas da época de ouro do vapor, pelo menos nos EUA, por terem sido projetadas com truque guia para tracionar trens de passageiros com velocidade de cruzeiro de 60 mph (96,5 km/h). A maioria dos modelos possuía rodas com mais de 1,70m de diâmetro.


4-6-2 tipo Pacific de grande porte da EFCB [14]

No Brasil as maiores locomotivas para serviços pesados foram as articuladas. A Mallett deve seu nome ao projetista suíço Anatole Mallett (1837-1919), que em 1874 patenteou este tipo de locomotiva. A primeira Mallett americana foi produzida em 1903 pela ALCO. Foram locomotivas que se adaptaram bem às difíceis exigências da Serra do Mar, com vários túneis úmidos, onde outras locomotivas perdiam aderência.

Mallett a locomotiva que vencia a Serra do Mar

Outra locomotiva articulada importada pelo Brasil para trabalhar na Great Western of Brazil, no Recife, foi o modelo Garratt 2-8-2+2-8-4, fabricado pela Henshel & South da Alemanha em 1952. Tratava-se de um projeto inusitado, comparando com os modelos ferroviários tradicionais, patenteada pelo engenheiro inglês Herbert William Garratt (1864-1913), podendo ser descrita, de forma expedita, como a um conjunto gerador de energia caldeira (fornalha + caldeira) apoiado entre dois tender dotados de conjuntos de movimentação (cilindros + braçagens + rodeiras motrizes).

Mallett pronta para subir de recuo a Serra do Mar por causa da fumaça nos túneis [14]

Apesar dos dias gloriosos as Malletts foram protagonistas de uma imagem que fica para sempre guardada na história ferroviária brasileira, quando num flagrante triste, apagadas, seguem para o cortadas e vendidas como sucata, num dos chamados Trem da Morte, numa fotografia do engenheiro J. A. D’Araújo Pessoa de 1952, quando passava pela estação de Três Rios. É uma dramática imagem do encerramento abrupto da era do vapor no Brasil, quando não se teve o cuidado em preservar pelo menos um exemplar de cada modelo para fins históricos, como bem assinalou outros autores da história do vapor nas ferrovias brasileiras [14].

Cinco Malletts sendo rebocadas para o corte no maçarico em 1952

Na última aquisição de locomotiva a vapor pela EFCB a concorrência dava alternativa para locomotivas diesel-elétrica. Com os principais fabricantes envolvidos na II Guerra Mundial, acabou-se recebendo as excelentes Texas série 1651 a 1657 de bitola métrica, para trabalharem no difícil traçado do Ramal de Nova Era. Eram locomotivas que possuíam sistema de rosca sem fim, denominado stoker, para transferência do carvão do tender para a fornalha, aliviando o trabalho do foguista [14].

2-10-4 tipo Texas sobreviventes quando transferidas para EFTC

Estas locomotivas foram posteriormente transferidas para a Estrada de Ferro D. Tereza Cristina, em Santa Catarina, que foi a última divisão da RFFSA a abandonar a tração a vapor, no fim dos anos 1980, já que nesta ferrovia destinada prioritariamente ao transporte de carvão mineral, o combustível era fornecido em condições vantajosas de preço. O que realmente contribuiu para a dieselização da EFTC foi o custo de manutenção e as precárias condições de fornecimento de peças sobressalentes, já que foi uma das últimas ferrovias em todo mundo a operar comercialmente com tração a vapor.
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Referências Bibliográficas:
[10] David, Eduardo Gonçalves A ferrovia e sua história. Edição AENFER-AMUTREM, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1998, p. 75.
[11] Chant, Christopher The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 79.
[12] Lamb, J. Paker Perfecting the American steam locomotive. Indiana University Press, Bloomington, Indiana, USA, 2003, p. 14.
[13] Amaral, Áttila do Manual de engenharia ferroviária. Editora Globo. Porto Alegre, RS, 1957, pp. 416-418.
[14] Coelho, Eduardo J.J. & Setti, João Bosco. A era diesel na estrada de ferro central do Brasil. Coleção AENFER, Rio de Janeiro, RJ, 1993, pp. 3-12.

A EVOLUÇÃO DA TRAÇÃO A VAPOR (continuação)

3. A Ferrovia é anterior às Locomotivas

É interessante comentar que vias férreas (wagonway) já existiam antes da locomotiva ser inventada. A figura mostra uma via de transporte guiado entre a mina de carvão de Little Eaton e o Derby Collery, próximo de Derby na Inglaterra [3], com carroções tracionados pela força do cavalo, o animal que desde os primórdios da civilização foi o principal auxiliar para que homem vencesse distâncias terrestres. Nos vagonetes das minas de carvão, as carroças guiadas sobre uma superfície rígida (de ferro ou madeira) ofereciam uma resistência ao rolamento inferior ao solo (principalmente quando coberto de neve ou lama pelo desgelo).

A solução de tração animal de veículos ferroviários sobreviveu até mesmo quando já existiam as locomotivas, pois antes da eletricidade ser aplicada no transporte público, foram mulas arrastando bondes sobre trilhos que garantiam a mobilidade de milhares de pessoas por dia nas ruas estreitas das cidades que cresciam no século XIX, pelo início da urbanização.

Wagonway ligando a mina de carvão “Little Eaton” ao Canal de Derby

Antes das ferrovias os canais artificiais como alternativa de transporte na Europa, na Ásia, no Novo Mundo e também no Brasil, de forma embrionária, embora não seja muito conhecida a experiência brasileira.

A monocultura açucareira foi introduzida na região de Campos dos Goitacazes em 1750, chegando a Quissamã em 1798, quando foi construído o primeiro engenho junto à antiga sede da fazenda Machadinha. A região chegou a ter sete engenhos e toda produção era transportada em carros de boi até o porto de Imbetiba, em Macaé, onde eram embarcado para o Rio de Janeiro e exportada. Visando aumentar a produtividade, os proprietários decidem pela implantação de um Engenho Central e melhoria no sistema de transporte.

Situação atual do Canal Campos-Macaé
(foto Goreth Kling, Quissmã, 2006)

Pontes ferroviárias interromperam o Canal
(foto: Goreth Kling, 2006)

Ao longo do Canal, antigos casarões da época de ouro do açúcar
(foto: Goreth Kling, 2006)


Em 1843, quando Irineu Evangelista de Souza, o futuro Barão de Mauá, já havia iniciado a construção da sua primeira ferrovia, inicia-se a construção de um canal que teria cerca de 100 km ligando a bacia do rio Paraíba do Sul, em Campos, ao porto de Macaé, passando pela Lagoa Feia , Quissamã, Carapebus e dezenas de usinas de açúcar.

Nesta ocasião, apesar das ferrovias já serem uma realidade em outros países, no Brasil a primeira ferrovia só seria inaugurada em 1854. Portanto o transporte fluvial era uma recomendação correta, além de permitir a drenagem da água alagadiça, onde proliferavam mosquitos.

A construção do canal durou 15 anos, empregando milhares de escravos das fazendas nos trabalhos de escavação, sendo inaugurado em 1861, com movimento crescente até a chegada da ferrovia na região. Esta ferrovia, a Estrada de Ferro Macaé-Campos foi criada pela lei no. 1.464 de 19 de novembro de 1869 e uma concessão com privilégio de 50 anos foi dada em 3 de fevereiro de 1870. Para sua construção organizou-se a Cia. Estrada de Ferro Macaé a Campos, incluindo o privilégio da navegação a vapor entre os portos do Rio de Janeiro e de Imbetiba. Na época este porto era o 5º. em movimentação no Brasil, com todas as mercadorias de exportação e importação circulando pelo Canal Macaé-Campos.

Em 10 de agosto de 1874 foi inaugurado o trecho inicial da ferrovia, entre Imbetiba e Carapebus, com 33 km, passando por Macaé. Em 13 de junho de 1875 o trecho foi completado até Campos, completando 96,5 km de extensão. Repetiu-se o que aconteceu na Europa e nos EUA, quando a ferrovia, com suas locomotivas a vapor, custo operacional baixo, alta velocidade de circulação e qualidade de serviço, comparativamente ao transporte fluvial e animal, aniquilou o tráfego pelo maior canal artificial do Brasil, como fez com a primeira rodovia pavimentada, a União e Indústria, inaugurada também em 1861.

Nem canais artificiais nem rodovias bem pavimentadas para tração aninal conseguiam deter o avanço da novidade em transportes: a ferrovia a vapor.


4. As Primeiras Ferrovias

Sendo a locomotiva uma novidade passível de vários aperfeiçoamentos mecânicos, a partir da Inglaterra logo as ferrovias se espalharam pelo mundo. Na França a primeira ferrovia foi inaugurada em 1832, entre Saint-Etienne e Anfrezieux; na Alemanha em 1835, a Ludwisgsbahn entre Fürth e Nuremburg; na América Latina, a primeira ferrovia inaugurada foi a de Cuba, em 1837, ligando Havana a Guines.

Foi nos Estados Unidos que as ferrovias tiveram seu maior desenvolvimento. Em 1827 a primeira ferrovia americana a Baltimore & Ohio Railroad iniciou sua operação, ainda com tração animal, com a expressão britânica railway americanizada para railroad. Em 1829 a primeira locomotiva a vapor importada da Inglaterra, fabricada pelos Stephenson, trafegou por uma ferrovia americana, na Delaware & Hudson Railroad [4], seguido logo depois por outras ferrovias, como a primeira projetada nos EUA a Tom Thumb, que inicialmente perdeu uma corrida disputada com um cavalo em 1830 [5].

Réplica da Tom Thumb operando no B&O Railroad Museum

Apesar de ter perdido a primeira disputa, o vapor vencia a força do cavalo na economia, comprovando do outro lado do Atlântico uma redução de até 30% nos custos do transporte por tonelada-milha que haviam sido demonstrados pelos diretores da Stockton & Darlington em 1827. Com grandes extensões a vencer, logo os americanos superaram os ingleses, os inventores da ferrovia na extensão de linhas e fabricação de material ferroviário.

Uma interessante interpretação da história, uma disciplina que sempre comporta releituras, justifica o crescimento dos EUA comparado com o do Brasil, partir da correta exploração das reservas de carvão nos Montes Apalaches. Até 1750, época do Tratado de Madri, que estabeleceu novas fronteiras entre Portugal e Espanha, a renda e o conhecimento territorial da América do Sul eram muito maiores do que a renda e o conhecimento da América do Norte, com os americanos restritos às 13 colônias da América Inglesa. A abundância do carvão e a máquina a vapor de Watt, entretanto, tornaram possível se adotar no norte um modelo de negócio diferente da aristocracia do sul, mais voltada para a exploração agrícola com uso intensivo do braço escravo. Devido ao carvão o vapor criou uma nova Revolução Industrial no outro lado do oceano Atlântico [6].

Por uma feliz coincidência, em 1848, no final da guerra dos EUA com o México para anexação de grandes extensões de terras, foi descoberto ouro na Califórnia, que desencadeou uma corrida, atraindo gente de todo mundo. Para os americanos da costa leste, a rota mais segura era a marítima, circulando a América Latina pelo cabo Horn. O Rio de Janeiro era um porto de parada obrigatória, o que ampliou o mercado para produtos industrializados americanos em troca da produção agrícola brasileira, especialmente o café. A chamada Tarifa Alves Branco de 1844 unificara as taxas alfandegárias em 30%, acabado com o privilégio de importação de produtos ingleses, que desde a chegada de D. João VI em 1808 pagavam 15%. Além da diversificação de mercados, esta medida gerou saldos que sustentou por muitos anos o Segundo Reinado e a própria unificação do Brasil através da centralização do poder junto à principal fonte de riqueza: o café do vale do rio Paraíba do Sul.

Enquanto as primeiras locomotivas inovavam nos projetos, os primeiros carros de passageiros mantinham uma nítida inspiração nos veículos do tempo da tração animal, como pode ser visto nas figuras, a primeira mostrando um trem da Mohawk & Hudson Railroad [7] e a segunda uma foto clássica da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Mauá, inaugurada em 30 de abril de 1854, com os carros de passageiros inspirados nas diligencias.

DeWitt Clinton rebocando carros entre Albany e Shenectady, 1831

A locomotiva número 1 Baronesa na inauguração da E.F.Mauá em 1854

Por ter o Brasil ingressado mais tardiamente na era do vapor, a locomotiva Baronesa, fabricada em 1852 por Willian Fairbain & Sons (denominação em homenagem à esposa do Barão de Mauá, o empresário Irineu Evangelista de Souza), assim como a locomotiva Princesa Imperial, fabricada por Robert Stephenson (denominação homenageando a imperatriz D.Tereza Cristina), para a Estrada de Ferro D. Pedro II (EFDPII), inaugurada em 29 de abril de 1858, exibem em comum roda guias menores na dianteira. A Princesa Imperial, embora poucos anos mais nova, apresenta linhas mais modernas, como a cabine para o maquinista e vagão tender. Um ponto comum era chapa de cobertura, como uma espécie de “pára-lamas” sobre as rodas motrizes, que constitui uma diferença mais visível das locomotivas inglesas para as americanas dos primeiros anos da era do vapor.

Locomotiva Princesa Imperial da EFDPII inaugurada em 1858

Em 1860, quando as ferrovias brasileiras engatinhavam, com pouco mais que uma centena de quilômetros, a malha americana já atingia 49.288 km [8], extensão nunca alcançada pelo Brasil. Nenhum outro fabricante mundial de equipamento ferroviário conseguiu a escala produtiva dos americanos.

5. Evolução das Locomotivas

Na Guerra Civil Americana (1861-1865) o objetivo principal era sempre destruir as ferrovias e reconstruí-las foi também o primeiro objetivo quando a guerra terminou. As locomotivas Americans foram as mais utilizadas, tanto durante o conflito como depois na reconstrução, quando o presidente Abraham Lincoln, ao perceber durante a guerra os problemas logísticos decorrentes das 13 bitolas diferentes, determinou sua unificação em todo o território americano.


“General” locomotiva American veterana da Guerra da Civil 1861-65

Foi também devido a Lincoln, que em 1862 durante a guerra, determinou a ligação ferroviária costa a costa, materializada na que é, provavelmente, a fotografia mais divulgada da história ferroviária, a célebre junção, no dia 10 de maio de 1869, em Promontory, no estado de Utah, das linhas da Central Pacific Railroad com a Union Pacific Railroad, a primeira ferrovia transcontinental. Fazem parte da pose de autoridades e operários duas Americans, a da esquerda, chamada Júpiter, com chaminé balão, indicando que queimava lenha e havida chega à costa oeste dando a volta pelo cabo Horn, e a da direita, simplesmente Número 191, com chaminé cilíndrica, indicando que queimava carvão mineral [9].

Duas Americans na primeira ferrovia transcontinental, Utah, EUA, 1869

Nove anos depois, no Brasil, em 1877, na cidade paulista de Cruzeiro, houve também a uma importante junção de ferrovias, mas com bitolas diferentes, pois a linha da EFCB tinha bitola de 1,60m e a linha da EF São Paulo - Rio de Janeiro era métrica. Nenhum presidente da república brasileiro se interessou em unificação de bitolas.

No que se refere às locomotivas de lastro, também no Brasil as práticas Americans, com uma silhueta de inesquecíveis filmes de Far-West, eram as preferidas para obras de construção, como na EFCB no prolongamento para Monte Azul, em meados da década de 1940. Quase um século depois dos americanos terem ligado o país costa a costa, o Brasil estava ainda ligando as regiões Sudeste e Nordeste por ferrovia. Em ambas as Americans posavam para fotos históricas [10].


Valente "American" de novo na linha depois de descarrilada durante as obras

American de Lastro trabalhando nas obras da linha para Monte Azul em 1944

American em plena operação na década 60 do século XX
Os ferroviários da Estrada de Ferro Leopoldina que posam não
imaginam que estão diante de um equipamento concebido em 1837

Quando foi construída a Estrada de Ferro Mauá, em 1854, a tecnologia preconizada pelos ingleses para vencer serras era o sistema funicular, adotado na São Paulo Railway em 1867, entre Santos e o Planalto. Pelo alto custo envolvido, a estrada pioneira finalizou na Raiz da Serra, com 16,3 km de extensão. Chegou a Petrópolis somente em 1884, perto do fim do Império, quando a EFCB já finalizara com a bitola larga em Queluz de Minas, hoje Conselheiro Lafayete, foi que adotando um sistema de cremalheira patenteado em 1863 pelo suíço Niklaus Riggenbach e aplicado pela primeira vez em 1870. A tecnologia foi adotada tanto na E.F. Príncipe do Grão Pará para Petrópolis como na Estrada de Ferro Corcovado, em 1885.

Locomotiva Baldwin no sistema cremalheira Riggenbach, 1885

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Referências Bibliográficas:
[3] Chant, Christopher The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 14.
[4] Idem, p. 20.
[5] Barry, Steve Railroads, the history of the American railroads in 500 photos. Salamander Books Ltd., St. Paul, MN, USA, 2002
[6] Ferreira, Manoel Rodrigues. A ferrovia do diabo. Editora Melhoramentos. São Paulo, SP, 2005. pp. 102-108.
[7] Chant, Christopher The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 22.
[8] Guimarães, Benício O vapor nas ferrovias do Brasil. Editora Gráfica Jornal da Cidade Ltda. Petrópolis, RJ, Brasil, 1993, p. 19.
[9] Barry, Steve Railroads, the history of the American railroads in 500 photos. Salamander Books Ltd., St. Paul, MN, USA, 2002
[10] David, Eduardo Gonçalves A ferrovia e sua história. Edição AENFER-AMUTREM, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1998, p. 75.

A EVOLUÇÃO DA TRAÇÃO A VAPOR

1. Introdução

Parece que o vapor estimula a imaginação. É possível imaginar esta cena: um fazendeiro de café do Vale do Paraíba, convidado pela administração da Estrada de Ferro D.Pedro II, que cortaria suas terras, para uma curta viagem na cabine de uma locomotiva a vapor, quando desce do trem e consulta seu relógio de bolso chega a conclusões interessantes:
  • as várias tropas de mulas necessárias para transportar toda a carga rebocada pelo trem levariam um dia inteiro para percorrer a mesma distância feita em uma hora;
  • seria preciso duas paradas para alimentação e descanso, enquanto a máquina consumiu apenas água e lenha – recursos que ele tinha com abundância;
  • do maquinista exigia-se muito mais preparo e habilidade do que as de um tropeiro para conduzir suas mulas de carga, era mesmo um trabalho especializado e, por fim
  • havia uma incrível semelhança entre os movimentos das alavancas da locomotiva com as do balancim de seu relógio que acabava de fechar.
Depois de um curto período inicial de muita experimentação, logo as ferrovias se espalharam pelo mundo a partir da Inglaterra, como uma aplicação mais imediata da força do vapor. A tração animal foi relegada, os caminhos e estradas carroçáveis, devidamente adaptados e houve uma rápida integração cultural entre a cidade e o campo.

Ao longo do tempo as locomotivas a vapor foram evoluindo, visando aumentar cada vez mais sua eficiência térmica como máquina com motor de combustão externa. O perfil leve e delgado das primeiras locomotivas foi sendo substituído gradativamente por equipamentos mais pesados e robustos.

Com o crescimento da demanda de transporte por ferrovia, os projetistas de locomotivas tiveram de criar várias soluções, considerando principalmente as limitações da via permanente, como a carga máxima por eixo e o gabarito dos cortes, edificações, túneis e pontes.

Para contornar os problemas de gabarito e aumentar ao mesmo tempo a potência, as caldeiras inicialmente localizadas entre as rodas foram posicionadas acima destas, o que obrigou a chaminé a reduzir sua altura. Com a necessidade de gerar mais calor a caldeira e a cabine passaram a se localizar após as rodas motrizes, exigindo a instalação do conjunto denominado jogo de arrasto. Portanto, mesmo as chamadas locomotivas de primeira geração, foram ficando cada vez maiores.

Precisando se tornarem cada vez mais potentes, a primeira solução foi distribuir seu peso por uma quantidade maior de eixos, visando manter a capacidade de aderência de acordo com a força transmitida pelo êmbolo. Como isto implicava em base rígida cada vez maior, que dificultava a inscrição nas curvas dos trechos de serra, a solução foi dividir a locomotiva em partes, criando-se as locomotivas articuladas.

A segunda geração de locomotivas ocorre com o advento do superaquecimento do vapor, conseguindo economia de no consumo de combustível e água, se comparado com uma de mesma potência trabalhando com vapor saturado. Estas locomotivas constituem a era de ouro do vapor e reinaram por mais de cinqüenta anos.

No final da era do vapor, em meados da década de 1950, surge a chamada terceira geração, com grande potência e desenho aerodinâmico, numa reação à tecnologia das locomotivas diesel-elétricas. Nos EUA foram fabricadas algumas locomotivas vapor-elétricas, com turbinas substituindo os êmbolos. Porém, problemas operacionais, limitações tecnológicas de 50 anos atrás e o baixo custo do óleo diesel estabeleceu a supremacia das locomotivas diesel-elétricas.

Voltar no tempo para conhecer a saga e saber como funciona este equipamento considerado uma obra de arte da engenharia mecânica, além de um passeio cultural pela história, deixa uma indagação tecnológica: existe futuro para a tração a vapor?


2. As Locomotivas Pioneiras

Quando em 1804 o inglês Richard Trevithick (1771-1833) pensou em usar a força do vapor ao invés da tração animal para rebocar carroças de vias férreas, aproveitou de imediato as soluções mecânicas das máquinas aperfeiçoadas pelo escocês James Watt (1736-1819).

Este cientista, que nomeia a unidade de potência elétrica e mecânica do Sistema Internacional (SI) e é considerado o pai da máquina a vapor, trabalhava na Universidade de Glasgow, construindo instrumentos científicos quando, durante a reparação de um modelo de máquina a vapor de Thomas Newcomen (1662-1729) percebeu que poderia resolver sua ineficiência. Patenteou em 1769 o dispositivo condensador de vapor em separado que, evita perda de energia por meio do resfriamento do cilindro e o êmbolo de dupla ação. Formou uma proveitosa sociedade com Matthew Boulton (1728-1809), industrial em Birmingham, que comprou sua patente em 1774, possibilitando o desenvolvimento de outras idéias e a melhora da máquina a vapor que recebeu seu nome, 75% mais potente que a de Newcomen e mais econômica no consumo de carvão, que se tornou fundamental para o sucesso da Revolução Industrial na Inglaterra e outros países europeus.

Desenho da primeira locomotiva de Trevithick de 1804

Trevithick era um hábil mecânico e havia trabalhado na empresa Bulton & Watt. Utilizou um êmbolo para acionar um volante de inércia vertical (flywheel) que através de várias engrenagens acionava rodas motrizes, de sua locomotiva de cinco toneladas que podia desenvolver uma velocidade de 5 km/h, quase a mesma velocidade de um homem caminhando e arrastar cinco vagões com 10 toneladas [1].

Embora como solução mecânica para manter o movimento circular do volante de inércia fosse vantajosa para a transmissão da força horizontal do êmbolo para a biela, produzia por outro lado, danos à via permanente, pela força de reação perpendicular ao plano de giro do volante de inércia. Esta reação ao movimento circular é a força vertical que mantém, por exemplo, um pião girando em equilíbrio em um plano horizontal ou mantém girando uma calota que saia da roda de um carro. Na posição vertical, a reação do giro do volante de inércia tendia fazer a locomotiva de Trevithick querer andar em linha reta. Os trilhos e a pregação frágeis não aguentavam, condenando o projeto ao fracasso.

Em 1808 este pioneiro da locomotiva a vapor já havia abandonado o volante de inércia e criado uma máquina mais versátil, que percorria em velocidade maior uma linha circular, com o sugestivo nome de catch-me-who-can ou “agarre-me se puder”, como uma atração de circo. Alugou uma área onde as pessoas pagavam entrada para ver o estranho equipamento, o primeiro cavalo a vapor. Iam apenas uma vez. Mal sucedido financeiramente pelos problemas decorrentes de utilizar processos já patenteados pelo seu antigo patrão [2], Trevithick morreu sem assistir o êxito de seu invento.

Apesar do insucesso, a idéia de Trevithick deu as bases para que outro inglês, George Stephenson (1781-1848) e seu filho Robert (1803-1859) fossem mais bem sucedidos, ao incorporarem vários aperfeiçoamentos de outras máquinas a vapor que se mantiveram durante toda a era do vapor nas ferrovias.

Dentre os aperfeiçoamentos incorporados por Stephenson podem ser citadas: a caldeira aquecida por tubos por onde fluíam os gases quentes aumentando a superfície aquecida em contato com a água (original de Marc Seguin); o sistema de tiragem forçada do vapor usado nos cilindros pela chaminé dianteira, criando uma zona de baixa pressão para sugar os gases ao longo da caldeira; o vagão tender de água e combustível separados do corpo da locomotiva; os comandos (barra de Johnson) que permite reverter facilmente o sentido de giro das rodas motrizes e até mesmo o próprio nome da máquina, componente principal do novo sistema de transporte que substituía o cavalo: a locomotiva.

Foi com uma máquina denominada Locomotion construída por Stephenson que em 27 de setembro de 1825 foi inaugurada a primeira ferrovia comercial do mundo, com 32 km ligando as localidades de Stockton e Darlington, na Inglaterra. Neste mesmo ano, menos meses depois, no dia 2 de dezembro nascia no Brasil, na Quinta da Boa Vista, o filho do Imperador Pedro I, Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Habsburgo, o futuro Imperador Pedro II, que teria um formidável papel na implantação das ferrovias no Brasil.

Réplica da Locomotion de Stephenson de 1825

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Referências Bibliográficas:


[1] Chant, Christopher. The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 17.
[2] Lamb, J. Paker Perfecting the American steam locomotive. Indiana University Press, Bloomington, Indiana, USA, 2003, pp. 5-6.

domingo, 29 de julho de 2007

Tomada de Decisão sobre Trens Urbanos e de Alta Velocidade

Tomada de Decisão sobre Trens Urbanos e de Alta Velocidade

Qualquer pessoa normal recusaria a oferta de um vendedor para substituir seu computador com processador de texto e impressora a jato de tinta por uma máquina de datilografia. Mesmo se tratando do topo de linha, com esferas intercambiáveis para mudar a fonte e fita corretiva automática. Entretanto, há uns quinze anos atrás, quando o sistema operacional era o DOS, para um gerente interessado em modernizar seu escritório a decisão não era tão fácil. De um lado havia as máquinas de datilografia, inventadas em 1873, confiáveis, que evoluíram gradativamente, das mecânicas às elétricas. Do outro, na ocasião, várias versões de softwares processadores de textos, conflitantes entre si. A qualidade gráfica das barulhentas impressoras matriciais não era boa. Ficar com o passado ou acreditar no futuro, eis a questão.

O Governo, em todos seus níveis, está nesta incômoda posição com relação aos Trens de Alta Velocidade (TAV) e Veículos Leves sobre Trilhos (VLT). O velho sistema, baseado no atrito da roda de aço sobre o trilho, usado desde a primeira ferrovia de 1825 é uma tecnologia madura, capaz de operar com velocidades acima de 300 km/h, nas ligações intermunicipais e versões urbanas com bonito design. Por outro lado, começa a surgir um sistema novo, baseado em levitação magnética (Maglev), que apresenta vantagens, principalmente no que é mais caro numa obra de infra-estrutura, a engenharia civil, estão ainda na infância tecnológica. Que dilema para quem pretende ser um estadista! Continuar dando ouvido aos fornecedores tradicionais, aos técnicos do transporte sobre trilhos, aos consultores que se vendem atualizados ou pensar algo novo? Como ter a visão de futuro indispensável ao estadista?

Para ampliar e enriquecer a discussão sobre as alternativas de aplicação dos recursos públicos em sistemas urbanos e de alta velocidade modernos, um tema que interessa a todo contribuinte, alguns aspectos além da contabilidade devem ser considerados:

Cada passageiro da ponte aérea Rio - São Paulo contribui, por sentido, com 98,08 kg de CO2 para o aquecimento global. O transporte aéreo é a modalidade que mais consome energia. O mesma trajeto feito de automóvel produziria 26,52 kg, de ônibus 13,72 kg. Porque nem toda energia elétrica é de origem hídrica, num TAV a produção seria 3,68 kg de CO2 e no Maglev 2,60 kg. Se andar de trem gerasse crédito de carbono, haveria uma razoável fonte de recursos disponível para financiar o setor.

Trens são inquestionavelmente mais confortáveis, regulares e seguros. Quando bem operada, uma ferrovia é a modalidade de transporte mais competitiva para passageiros: reduz acidentes de trânsito e congestionamentos, diminui o tempo de viagem, economiza combustível, gera valorização imobiliária, aumenta a arrecadação de impostos, promove estruturação urbana e melhora a qualidade de vida do cidadão.

Nas altas velocidades, a levitação eletromagnética possibilita reduções de custos em regiões montanhosas, porque o Maglev, graças ao motor linear, opera em rampas acima de 10% de inclinação, enquanto um TAV comercial está limitado a 2% de rampa. Do nível do mar no Rio até à cota 800 de São, um trem sobe bastante. Mas o Maglev, na descida, virá gerando energia elétrica de regeneração.

Os TAV’s exigem uma manutenção primorosa e para alcançar a velocidade máxima o raio de curva deve ser acima de 2.000 m, mas no Maglev eletromagnético, o trem “abraça” a via e não descarrila. No Maglev urbano não há consumo de energia para manter a levitação vertical e a estabilidade horizontal. Deslocando-se sem atrito e capaz de se inscrever em curvas de 30 m de raio, insere-se facilmente no ambiente urbano e tem baixo custo de manutenção, sem motores, trilhos e rodas para desgastarem.

A engenharia civil costuma representar mais de 60% dos gastos em novos sistemas ferroviários, podendo chegar a 80%. A nova tecnologia de levitação magnética supercondutora, adequada para velocidade urbana, permite a construção de linhas que custam 1/3 do total exigido pelos sistemas metroviários de mesma capacidade e ficam prontas em um prazo muito menor. Economiza recursos numa área onde o Brasil tem completo domínio tecnológico e exporta serviços: a engenharia civil.


Lendo nos jornais os bilhões necessários para investimento nos sistemas ferroviários da tecnologia tradicional, conclui-se que estamos em um país rico. Realmente, o país é rico, mas a população é pobre. O anônimo cidadão que paga seus impostos merece saber como se encontra o estado da arte na área de transportes guiados e deveria ter o direito de opinar sobre algo que será feito para o seu futuro.

Em primeiro lugar, não tem sentido pensar em um TAV interligando a estação de D. Pedro II (Central, no Rio) com a estação da Luz em São Paulo, quando os vetores da expansão urbana apontam em outras direções. Depois, varar a Serra do Mar de túneis para manter a declividade mínima, como fez Cristiano Otoni em 1860, quando existe atualmente engenharia capaz vencer rampas elevadas a céu aberto só tem justificativa porque o projetista ficou preso ao contato roda-trilho. É preciso quebrar velhos paradigmas e não ter medo do futuro – como não teve Cristiano na sua época.

Usando a comodidade da Internet e dispondo de uma base de dados técnicos própria, específica do pesquisador da levitação magnética, desenhei algumas alternativas de traçado que potencializa as vantagens da tecnologia, chegando a números interessantes, como ordem de grandeza: o Expresso Aeroporto em São Paulo e o TAV interligando as duas maiores capitais do país podem custar metade do que está saindo na imprensa, ficando pronta a ligação Rio-SP em no máximo seis anos, melhorando antes disso a mobilidade urbana nas duas cidades. Neste plano, a linha sairia da Barra da Tijuca até Volta Redonda, por um trajeto novo, simultaneamente de Guarulhos até São José dos Campos pela Variante do Parateí, encontrando os dois trechos em Aparecida do Norte. Esses pontos seriam as estações intermediárias.

Quando estes dois lotes de Maglev eletromagnético estivessem sendo inaugurados, já estariam pronto sistemas de levitação baseado em supercondutores. No Rio de Janeiro ligando o aeroporto Tom Jobim, UFRJ, estação Del Castilho do Metrô e da Supervia à Barra da Tijuca, aproveitando faixa de domínio da Linha Amarela, Avenida Aírton Sena e seguindo em via elevada pelo canteiro central da Avenida das Américas até seu final, nos limites do Parque Estadual da Pedra Branca, onde estaria o grande terminal do Maglev de alta velocidade. Em São Paulo o Terminal Rodoviário Tietê, seria interligado ao aeroporto de Cumbica por uma via elevada ao longo das margens do rio de mesmo nome. Por suas dimensões esbeltas, leveza, silêncio e baixo consumo de energia, o Maglev urbano pode aproveitar a infra-estrutura pública existente, valorizando com seu design os locais por onde passa. Ao longo da ligação aproveita áreas de propriedade do governo, com mínimo impacto ambiental, onde atualmente iniciativa privada opera por concessão: Nova Dutra na rodovia e MRS Logística na ferrovia.

Entre terminais tempo total de 93 minutos. Com velocidade média igual à do Maglev chinês em Xangai: Terminal Guarulhos-S.J.Campos 20 min; SJC-Aparecida 21 min; Aparecida-Volta Redonda 25 min e VR-Terminal da Barra da Tijuca 26 minutos.

Provavelmente, por terem ficando atados às limitações da velha tecnologia, quando existe uma nova (excessivamente nova, com detalhes restritos aos centros de pesquisas), os projetistas do Expresso Aeroporto e do TAV RJ-SP não perceberam que existe algo novo, capaz de permitir ao Brasil dar um salto tecnológico e queimar etapas.

Trocar informações é fundamental. Os projetos que foram pagos por recursos públicos deveriam estar disponíveis na Internet com todos seus detalhes. Por que esconder?

Eduardo Gonçalves David
Engenheiro, Doutor em Engenharia de Transportes.
egdavid@pet.coppe.ufrj.br